terça-feira, 23 de junho de 2009
Todos contra o amor
Os poetas dizem que o amor é cego. Por seu lado, os comediantes acrescentam que ele também é surdo, mudo, paralítico, entrevado, esclerosado e bobo. Todos têm razão, o amor é um sentimento extremamente frágil.
Agora, uma coisa tem que ficar clara. O maior responsável por isso somos todos nós. Quem bate tanto no amor até ele ficar sangrando é a mesquinhez das pessoas. A escritora e pesquisadora literária Heloisa Prieto relata isso em “32 casos de amor”, reunião de 32 histórias de amor de várias culturas e povos do mundo.
São contos do folclore do peruano, armênio, japonês, escocês, galês, brasileiro, romeno, entre muitos outros. Tão antigas e distantes, mas todas relatam a dificuldade do amor vencer. As histórias de amor, um dos tipos de narrativas mais antigas, têm sua base nessa luta: como conseguir um final feliz para um amor impossível?
Os folhetins, romances, revistinhas da Sabrina, as telenovelas, seguem até hoje essa fórmula da concretização de algo inviável. No livro de Heloisa existem muitos exemplos, como a pobre camponesa que se apaixona por um tzar russo, a princesa que ama um menino que vive nas florestas geladas da suíça, a bruxa celta que enfeitiça um cavaleiro que ama outra mulher, um casal de nômades afegãos que tenta vencer os tabus de sua tribo, o jovem que tem um amor proibido por uma menina pássaro da cordilheira dos Andes, e por aí vai.
Algumas histórias são bobinhas, com fatos previsíveis, com certeza antepassadas das comédias românticas. Mas é fascinante ler todas pelos detalhes que nos mostram dos povos. Do Japão lemos sobre a dureza dos costumes e do machismo, a fantasia e seres mitológicos dos persas, as entidades mágicas do antigo Pirineus; entre muitos outros exemplos.
Fora isso existe também a sabedoria milenar de algumas lendas, como a da mimada princesa suíça que perde um amor por ter “o pior defeito humano: a dificuldade em aceitar o amor e tudo de bom que ele pode trazer a uma vida.“
Mas mesmo sendo tão difícil amar não há dúvida de que é isso que faz todos um pouco melhores e no final é o que fica no mundo para realmente valer a pena, como essa história de séculos atrás vinda da Coréia:
“Na antiga Eurásia se contava a história de Tori-si, jovem, bela, rica, que morreu no mesmo dia que Nan, jovem, belo e pobre. Acontece que nesse mesmo dia, por causa de uma epidemia, a fila para o além era longa e os jovens tiveram que esperar. Conversa vai, conversa vem, apaixonaram-se perdidamente.
Quando foram chamados para verificação da identidade, o mestre do outro mundo percebeu que cometera um erro: o nome de Nan constava da lista, mas não o da jovem Tori-si. Ele ordenou que ela ressuscitasse, mas a jovem recusou:
- Prefiro ficar no além, ao lado do meu amado!
- Mas é impossível, porque ele já cumpriu sua quota, ao passo que você, minha jovem, ainda tem muitos anos de vida.
Tori-si chorou tanto e reclamou sem parar até que o mestre, cansado, lhe fez uma proposta:
- Bela Tori-si, se concordar em repartir os anos que lhe restam com Nan, permitirei que ambos ressuscitem.
Assim, ambos voltaram ao rio das almas e dele saíram vivos em folha. Qual não foi a surpresa dos pais quando reviram seu entes queridos: os pais de Nan riam de muita alegria, enquanto os pais de Tori-si se aborreciam com a pobreza do noivo.
- Eu não acredito numa só palavra dessa bobagem – gritou o pai de Tori-si. Aposto que vocês, seus jovens insensatos, estavam adormecidos e fingiram ter morrido, apenas para me convencerem a permitir esta união. Mas eu proíbo esse casamento! Minha filha terá um marido tão ou mais rico do que eu.
A jovem, no entanto, enfrentou o pai:
- Se o senhor me proibir de viver com quem amo, voltarei a morrer e será o fim de tudo!
- Duvido! – gritou o pai.
- Pois então sua filha morreu aqui, pois de hoje em diante viverei uma nova vida, ao lado daquele que realmente me quer bem.
E assim Tori-si partiu estrada afora, feliz ao lado de seu noivo, sabendo que trabalharia muito, mas que o amor emprestaria um encanto especial a cada momento que lhes restava na terra. Muitos séculos se passaram e até hoje sua história é contada na Coréia, como sinônimo do amor perfeito.”
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