O médium e líder espiritual Chico Xavier nunca se casou e não teve filhos biológicos. Mas ele teve um filho adotivo, que preferia chamar de “filho do coração”.
O dentista e empresário Eurípedes Humberto Higino dos Reis, 60 anos, foi adotado por Chico em 1959. Em entrevista de Uberada por telefone ele lembrou um pouco de sua vida ao lado do pai.
Ele conta que o primeiro encontro com o Chico Xavier foi em Uberaba. “Minha família é de Ituiutaba, que faz parte do triângulo mineiro. Em 1959 meu pai biológico morreu, eu tinha sete anos, e minha mãe resolveu visitar Chico Xavier para pedir conselhos do que fazer”, lembra.
Como fez durante quase toda vida, Chico Xavier atendia pessoas com problemas de saúde, espirituais ou só a procura de uma palavra de paz. Segundo Eurípedes, sua mãe, Carmem, quando chegou ao centro espírita de Chico Xavier foi prontamente recebida. “O Chico sentiu a presença dela e pediu para chamá-la. Mandou ela se acalmar e disse que já havia falado com o espírito do meu pai. Havia recebido um pedido dele para cuidar de mim, que prontamente aceitou. Na época não entendi muito bem tudo aquilo, mas fui me sentindo feliz aos poucos”, conta.
Eurípedes foi criado a partir daí por sua mãe e por Chico Xavier durante a infância, até que na adolescência passou a ajudar mais no trabalho de Chico pelo Brasil. “Para todos era um homem fora de série, mas para mim a lembrança mais querida era a do meu pai, um homem comum, carinhoso, que gostava de futebol, cuidadoso e que cobrava educação sempre”, diz.
Quase oito anos sem contato
Para um homem que em vida teve o dom de falar com os mortos, a tendência mais rápida é pensar que Chico Xavier enquanto morto, ou desencarnado como preferem os espíritas, continuaria se comunicando facilmente com o mundo dos vivos.
Seu filho Eurípedes, que não é médium, diz ter conhecimento de mais de 200 mensagens atribuídas a seu pai, mas afirma que todas são falsas. “Meu pai deixou uma senha comigo e com seu médico pessoal [também chamado Eurípedes] um pouco antes de morrer para identificar se era ele mesmo. Essa senha nunca foi dita desde então”, assegura.
Segundo ele ainda, o próprio pai teria dito em vida que quando desencarnasse “iria dar um tempo para o lápis e para o papel”.
No bairro Parque das Américas em Uberaba fica o Museu Chico Xavier, administrado pelo próprio Eurípedes. A casa de dois quartos onde morou na rua Dom Pedro 1º transformou-se num museu. Aberta para visitação, está exatamente como Chico a deixou. Todos os objetos pessoais não foram mudados de lugar, como, por exemplo, a coleção de boinas, meias e o sapato do médium.
“Cerca de 70% dos grupos espíritas formados no Brasil têm base nas orientações de meu pai. Muitos acreditam e inclusive eu que em uma de suas reencarnações Chico Xavier foi Allan Kardec [francês que estruturou a doutrina espírita no mundo]. Mas para mim a principal mensagem que ele deixou foi o amaivos uns aos outros”, destaca.
Filme e polêmicas
O centenário de nascimento de Chico Xavier será marcado pelo filme “Chico Xavier”, do diretor Daniel Filho. Eurípedes teve o privilégio de ver o filme três vezes, incluindo junto com o diretor em uma pré-estreia Uberaba no dia 12. “Gostei muito do filme, é emocionante lembrar meu pai em tudo que fez. Eu até apareço retratado em algumas cenas, mas bem rápido”, conta.
Eurípedes é detentor dos direitos da obra e imagem de Chico Xavier. Esse é um assunto que ele prefere não falar muito e que nega qualquer irregularidade moral ou legal. Cerca de dois anos antes da morte de Chico Xavier, seu filho e sua ex-nora, Christine Schulz, travaram uma batalha na Justiça pelos direitos da obra do médium. Houve também acusações de ambos sobre supostos desvio de donativos.
A onda continua
O ano do centenário de Chico Xavier também vai ser abordado pela TV Globo com a exibição de uma novela e de uma série com temática espírita, que entrarão na programação da emissora neste ano.
Prevista para estrear no dia 12 de abril, a novela “Escrito nas Estrelas” vai ter como um de seus protagonistas um estudante de medicina, Daniel, que morre logo no primeiro capítulo. Ele vai participar de toda a trama como um espírito.
Outra produção com temática espírita anunciada pela Globo é “A Cura”, escrita por João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein. A série deve entrar na grade da Globo no segundo semestre.
Na trama, que se passará no interior de Minas Gerais, um jovem médico é acusado de matar um colega. Contudo, ele descobre que tem o dom de curar pessoas por meio de cirurgias espirituais, feitas pelo espírito do colega morto. O espírito avisa ainda ao médico que a vida dele também está ameaçada. O seriado deverá ser protagonizado pelo ator Selton Mello.
Uma religião para regenerar
Além da vida após a morte, os espíritas também acreditam fazer parte de um trabalho de regeneração da humanidade. É o que fala Richard Simonetti, 74 anos, escritor e um dos grandes líderes da religião no Brasil atualmente. Ele é autor de 49 livros e é vice-presidente em Bauru do Ceac (Centro Espírita Amor e Caridade), que atende cerca de 25 mil pessoas por ano.
Richard afirma que o espiritismo vem numa vanguarda de esclarecimentos quanto aos porquês da vida. “Já tive o prazer de ouvir gente dizer que desistira de matar-se após ler meu livro ‘Suicídio, tudo o que você precisa saber’”, conta.
A doutrina espírita foi estruturada pelo pedagogo francês Allan Kardec (1804-1869) e pretende a integração da ciência, filosofia e moral. Richard opina que toda religião tem esses objetivos, mas afirma que são especulativas, baseadas em elucubrações, geralmente fantasiosas, de seus teólogos, fixadas lamentavelmente pelo dogma. “A doutrina foi codificada por Allan Kardec a partir de informações colhidas do mundo espiritual, com a participação de uma pleiade de espíritos superiores que assessoravam o codificador. Essas informações têm uma base científica de pesquisas que comprovam a realidade do fenômeno mediúnico, com consequências religiosas, na medida em que nos falam da existência de Deus, da imortalidade da alma humana e das consequências futuras de nossas ações”, explica.
Apesar de críticas de outras religiões, os espíritas também se consideram cristãos. “Uma das obras básicas do espiritismo, ‘O Evangelho segundo o Espiritismo’, é uma interpretação da moral evangélica a partir das informações colhidas da espiritualidade, é o atestado eloquente de que o espiritismo é cristão. E na questão 625, de ‘O Livro dos Espíritos’, a obra maior da doutrina, o mentor espiritual que assistia Kardec revela que Jesus é a maior figura da humanidade. Kardec acrescenta que Jesus foi um preposto do criador em transito pela Terra”, completa.
O legado de Chico Xavier
Richard Simonetti lembra que conheceu Chico Xavier em vida. Foi nas reuniões públicas na Comunhão Cristã, depois na Casa da Prece, em Uberaba, das quais Chico participava. Mas os contatos dos dois eram breves. Havia sempre uma multidão de pessoas ávidas de conversar com o médium.
O escritor afirma que a doutrina espírita é respeitada no Brasil há muito tempo, graças ao trabalho dos espíritas no campo filantrópico. Porém, a grande contribuição de Chico Xavier foi dar o estímulo. “O que Chico fez foi estimular muita gente a procurar no espiritismo a resposta às suas dúvidas existenciais, a partir da visão ampla do mundo espiritual que está presente em suas obras”, diz.
Diferente de Chico Xavier, Richard não psicografa seus livros. Ele explica que no espiritismo aprende-se que todos são médiuns, porquanto todos são passíveis de sofrer a influência do mundo espiritual. “Muitas idéias, sensações e sentimentos que nos envolvem no dia-a-dia, não raro são produzidos pelo contato com espíritos desencarnados”, assegura.
Porém, nem todos têm suficiente sensibilidade para atuar como intermediários dos espíritos, transmitindo suas mensagens, como foi o caso de Chico Xavier. “Fico no primeiro grupo. Meus livros não são psicografados. São ‘suorografados’, demandam muito esforço, estudo, pesquisa e um pouco de inspiração, esta da parte das ‘musas’ deusas protetoras dos artistas de que falavam os gregos, porque não sabiam que eram as almas dos mortos que os inspiravam”, diz.
Para Richard a bandeira do espiritismo, desfraldada por Allan Kardec e seguida por Chico Xavier, é a máxima “fora da caridade não há salvação”. “Salvação não no sentido escatológico de vida futura. Salvação para o nosso mundo, porque é o antítodo do egoísmo, sentimento gerador de todos os males humanos”, finaliza.
A vida de Chico Xavier
2 de abril de 1910 - Nasce Francisco de Paula Cândido, nome de batismo, o Chico Xavier, na cidade mineira de Pedro Leopoldo, filho de João Cândido Xavier, vendedor de bilhetes de loteria, e de Maria João de Deus
29 de set de 1915 - Morre sua mãe, Maria João de Deus
Chico Xavier vai morar com sua madrinha, Maria Rita de Cássia, amiga de sua mãe
Dezembro de 1915 - Seu pai casa-se com Cidália Batista, que reúne todos os filhos do marido novamente e Chico volta a viver em família
Jan de 1919 - Começa a frequentar o Grupo Escolar São José e a trabalhar na fábrica de tecidos
1923 - Conclui o curso primário, após repetir a quarta série
1925 - Começa a trabalhar no comércio. Primeiro, como auxiliar de cozinha no Bar do Dove. Em seguida, na venda de José Felizardo Sobrinho
7 de maio de 1927 - Tem sua primeira experiência na doutrina espírita, quando sua irmã Maria Xavier Pena, doente e desenganada pelos médicos, é levada até a casa de uma família espírita. Faz uma prece em torno do leito da irmã. Ela é curada. A partir daí começa a frequentar reuniões espíritas
21 de jun de 1927 - Torna-se secretário do recém-fundado Centro Espírita Luís Gonzaga, que funciona num barracão onde mora o seu irmão e também presidente do centro, José Xavier
8 de julho de 1927 - Psicografa, pela primeira vez, no Centro Espírita Luís Gonzaga e escreve 17 páginas com a assinatura final de "Um espírito amigo"
1928 - São publicadas suas primeiras mensagens psicografadas pelo matutino carioca “O Jornal” e, logo depois, pelo “Almanaque de Notícias”, de Portugal
1931 - Aparece-lhe o que chama de seu mentor espiritual ou espírito-guia, que pede para ser chamado de Emmanuel
Março de 1931 - Morre Cidália Batista, sua madrasta e amiga
Psicografa pela primeira vez um poema com a assinatura de um morto: o poeta fluminense Casimiro Cunha (1880 - 1914). Poeta menor, mas com uma particularidade: espírita convicto e confesso
1932 - Edita seu primeiro livro, “Parnaso de Além-túmulo”, uma coletânea de 59 poemas assinados por 14 grandes poetas brasileiros já falecidos: Castro Alves, Casimiro de Abreu, Augusto dos Anjos, Guerra Junqueiro, entre outros
1935 - Entra para o Ministério da Agricultura, trabalhando na Fazenda Modelo de Pedro Leopoldo
1939 - Passa a psicografar os trabalhos do escritor maranhense Humberto de Campos, morto em 1934 e no mesmo ano lança o livro “Crônicas de Além-Túmulo”, com textos do escritor falecido
1940 - Fica gravemente doente. Os médicos prevêem um ataque de uremia (elevação de uréia no sangue), o que não chega a ocorrer
1944 - É processado pela família do escritor Humberto de Campos, que exige parte dos direitos autorais dos livros psicografados, mas a justiça decide a favor do médium, que passa a usar o pseudônimo de irmão X para identificar os livros do escritor psicografa mais tarde
1944 - Publica o livro “Nosso Lar”, que torna-se um verdadeiro best-seller entre as publicações espíritas, chegando a uma tiragem de 1.277.000 exemplares
1946 - Fica doente, vítima de tuberculose
1951 - É operado de uma hérnia estrangulada
1958 - Amauri Xavier Pena, sobrinho de Chico Xavier, filho de sua irmã Maria Xavier, também espírita e psicógrafo, declara aos jornais que, por se sentir amargurado por crises de consciência, decide contar que tudo o que já havia psicografado é criado por ele mesmo, sem nenhuma interferência dos espíritos, e acusa seu tio do mesmo. O que é negado por Chico
1959 - Muda-se para Uberaba, fugindo do escândalo causado pelas declarações do sobrinho Amauri Xavier Pena
1960 - Publica, em parceria com o também médium Waldo Vieira, o livro “Mecanismos da Mediunidade”
1963 - Aposenta-se, após 30 anos de serviços prestados como auxiliar de serviço na antiga Inspetoria Regional do Serviço de Fomento da Produção Animal, por incapacidade
1965 - Vai aos Estados Unidos a fim de difundir o espiritismo e para fazer um tratamento oftalmológico
1969 - Viaja a São Paulo para se submeter a uma cirurgia na próstata
3 de janeiro de 1972 - Concede uma entrevista de quatro horas na extinta TV Tupi, num programa chamado “Pinga-Fogo”, o que atrai cerca de 20 milhões de telespectadores
Junho de 1975 - Anuncia que encerrará, aos 65 anos de idade, suas atividades mediúnicas, devido ao desgaste físico e por não conseguir superar o processo de hipotensão (pressão arterial baixa), surgido em 1973.
1976 - Tem sua primeira crise de angina de peito
Março de 1980 - É indicado para receber o Prêmio Nobel da Paz de 1981, numa campanha liderada pelo então diretor da Rede Globo, Augusto César Vanucci
Setembro de 1983 - Coloca, pela primeira, sua voz em quatro LPs, lançados pela gravadora Fermata, para transmitir suas mensagens de paz. Os discos trazem apenas o nome de Chico Xavier na capa, ao lado de um desenho de seu rosto
28 de junho de 1985 - João Francisco de Deus é julgado inocente da morte de sua mulher Gleide Maria Dutra, morta com um tiro no pescoço, no dia 1º. de março de 1980. Cartas de Gleide, inocentando João Francisco, psicografadas por Chico Xavier nove meses após sua morte, foram usadas pela defesa do acusado
Agosto de 1985 - Recebe a visita de D. Risoleta, viúva de Tancredo Neves, morto em abril de 1985. Ela, porém, nunca recebeu mensagens do marido
15 de outubro de 1989 - Recebe uma visita do então candidato à presidência da República, Fernando Collor de Mello, apoiando, pela primeira vez, um candidato a presidente
Maio de 1991 - Já eleito presidente, Fernando Collor de Mello visita-o novamente
27 de fevereiro de 1993 - É procurado por Glória Perez, mãe da atriz Daniela Perez, assassinada no final de 1992. Glória pede que Chico Xavier converse com sua filha
18 de setembro de 1995 - Um enfisema pulmonar o deixa com apenas 35 quilos e preso a uma cadeira de rodas
1997 - Publica o livro de poesias “Traços de Chico Xavier”
1998 - Publica o livro “Caminho Iluminado”, do espírito Emmanuel
1999 - Publica seu último livro “Escada de Luz”, totalizando 412 livros publicados, muitos deles traduzidos em diversas línguas e também em braile
30 de junho de 2002 - O mineiro Francisco Cândido Xavier morre aos 92 anos, por volta das 19h30. Ele havia acordado cedo, feito orações e se alimentado normalmente. Na época se disputava a Copa do Mundo de 2002, Chico Xavier não assistiu à partida da seleção brasileira, mas quis saber o resultado. Ele deitou para dormir no horário habitual: às 19h20 e morreu cerca de dez minutos depois, em sua casa, no bairro Parque das Américas.
O médico do religioso, Eurípedes Tahan Vieira, disse que o líder espírita sofreu uma parada cardíaca sem sofrimento e sem dor. O médium foi o líder espírita mais conhecido e procurado do país.
Um comentário:
Jesus te abençoe sempre Chico, muito obrigado por tudo!
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