domingo, 10 de abril de 2011

Ministro do Supremo Tribunal Federal defende Judiciário mais atuante

A defesa dos direitos fundamentais da sociedade deve ter participação mais ativa do Judiciário. Essa é a opinião do ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes. Ele esteve em São Paulo no dia 4. O ministro fez a aula inaugural da EDB (Escola de Direito do Brasil), escola de pós-graduação em Direito da qual é um fundadores.


Veja a entrevista abaixo:



- O sr. começou a lecionar quando?

Desde quando me formei em Direito pela Universidade de Brasília, em 1978. Depois fui para o exterior [Alemanha] e continuei estudando. E logo quando voltei continuei a lecionar, ou seja, mais de 30 anos lecionando.



- A EDB (Escola de Direito do Brasil) vai se instalar em outras cidades?

Não. A ideia básica é trazer um pouco daquilo que a gente já vinha fazendo em Brasília no Instituto Brasiliense de Direito Público [outra escola fundada pelo ministro em 1998] e trazer essa experiência para São Paulo. Inicialmente nos cursos de pós-graduação e certamente vamos avançar para outras experiências, como graduação e cursos à distância.



- Como foi a seleção dos professores?

São profissionais de muita categoria, professores renomados, com destaque de décadas no meio profissional, e os jovens doutores e mestres são altamente qualificados. Eu imagino que a escola será um fórum de bons debates, de importantes discussões em todos os âmbitos do Direito nos quais nós viemos atuar. Por exemplo, questões da tecnologia jurídica de ponta em alguns aspectos relevantes como no processo constitucional.



- O sr. é a favor do ativismo jurídico. Não há riscos de um personalismo ou do STF agir às vezes como Poder Legislativo?

Primeiro tem que se entender bem o que é ativismo. Eu entendo que a Constituição permite e exige às vezes uma atuação mais enfática do Tribunal em determinados temas. Temas ligados aos direitos fundamentais, especialmente os caráter prestacionais ou positivos. Isso que exige que diante da inércia dos demais poderes o Tribunal seja mais enfático. Tanto é que a Constituição criou uma disciplina própria de controle da omissão dos Legislativos, isso significa que o Tribunal deve ter uma posição pró-ativa. É o que a gente tem visto no mandado de injunção, na ação direta por omissão e em situações também em que há um certo colapso no controle por parte dos demais poderes. Nesses casos me parece que a própria Constituição cobra uma atitude mais ativa por parte do Judiciário.

É evidente que a divisão de poderes tem que ser observada, o Judiciário não pode simplesmente substituir os demais poderes. Há questões que não podem ser resolvidas como uma ação judicial, ninguém imagina que o Judiciário vá construir o hospital, mas ele pode ajudar a corrigir determinadas distorções nessa seara. Aqui a gente tem que uma visão de complementariedade quanto ao controle.



- A gestão do sr. no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), de 2008 a 2010, teve como maior legado os mutirões carcerários?

Em vários aspectos hoje há obras em andamento no CNJ que de alguma forma teve um incentivo no trabalho que realizei no passado. Por exemplo, a gestão por metas e a Meta 2, que foi a ação de julgar os processos que estavam parados no Judiciário que entraram até 2006. Pode-se discutir o ritmo de execução das metas, mas ao invés de reivindicamos maior aporte de recursos, nós buscamos fazer uma autocrítica no próprio Judiciário para atuar com os recursos que já dispomos.

A questão carcerária, como um todo, o mutirão carcerário, a necessidade de se dar atenção à Justiça Criminal. O mutirão carcerário é apenas a revelação de um problema, que indica uma falha do sistema de Justiça Criminal. A partir daí nós passamos a discutir, inclusive, sobre Segurança Pública e Justiça Criminal. Todos os atrasos que ocorrem e que acarretam milhares de problemas. A Justiça Criminal não funciona e por isso muitas pessoas não são presas quando deveriam. E muitos também quando são presos ficam esquecidos nos presídios esperando julgamento.

De novo é um problema da morosidade como um todo e isso passou a entrar na agenda nacional. Veja, só em um ano e poucos meses no CNJ nós libertamos cerca de 22 mil pessoas. Um bom número presas provisoriamente há 14 anos, portanto, esquecidas totalmente. Esse é um programa de direitos humanos, talvez um dos maiores que o Brasil já viu.



- No CNJ o sr. também propôs que presos e egressos pudessem trabalhar nas obras para a Copa do Mundo de 2014, dentro do programa Começar de Novo. Isso prosperou?

Quando você liberta tantas pessoas, você tem que se preocupar com o futuro delas, dar alternativas de ressocialização. Essa iniciativa está andando lentamente. Mas isso é interessante e mostra um pouco os problemas que detectamos, ou seja, que iniciativas desse tipo estejam sendo conduzidas pelo Judiciário. O Começar de Novo deveria ser um programa de um governo como um todo, mas isso nasceu no Judiciário.

É um projeto para minorar a reincidência. Não é só um projeto de direitos humanos, é de segurança pública. Se nós quisermos ser bastante egoístas, podemos dizer que não queremos nos ocupar com os presos, não estou preocupado com direitos humanos. Mas se preocupar com segurança pública é se preocupar com a reintegração social. Todos os planos internacionais que envolvem diminuição de criminalidade sempre também têm um lado de reintegração. Isso hoje está tão somente sendo coordenado pelo Judiciário, que buscou junto ao Executivo a abertura de vagas, que buscou a Fifa e a CBF para fazer a parceria, então, é preciso na verdade espraiar esse projeto. Todos têm responsabilidade.

Ainda na seara da segurança pública, o presidente Lula chegou a encaminhar [em abril de 2010] um projeto de lei de crédito de algo em torno de R$ 480 milhões, que importaria na abertura de 70 mil vagas com a construção de presídios. Isso poderia acabar com os presos que vivem nas delegacias. Não obstante, esse projeto não foi votado até hoje.



- Na Suprema Corte dos EUA os nove ministros escolhem o que vão julgar, apenas algumas dezenas de processos por ano. No Brasil, o STF recebe milhares de processos. Em 2006, último recorde, foram 127 mil. Essa situação crítica pode ser mudada no Brasil?

Ano passado já caiu muito o número de processos. Algo em torno de 30 mil processos distribuídos. Isso já é efeito da reforma do Judiciário. Da repercussão geral e da súmula vinculante. É um novo quadro. Acredito que nós vamos continuar diminuindo significativamente o número de processos porque nós encontramos uma forma mais inteligente de lidar com eles. Não é que estejamos deixando de apreciar as questões, mas estamos selecionando aqueles processos de repercussão e devolvendo os outros iguais, de temas já julgados.

O número de casos de repercussão geral continua alto, de 70% a 80% entre os processos que chegam ao Supremo. Não estamos fugindo da discussão, mas sim sustando a remessa de novos processos iguais a causas já julgadas. O ideal é que talvez num curto período de tempo nós cheguemos a uma distribuição igual ou até inferior a 10 mil ano. Significaria mil processos por gabinete ano.

- Mesmo mil processos o sr. considera um número aceitável?

Seria sim razoável. Claro que ainda é número alto, considerando os padrões internacionais. Mas considerando o estado febril em que nós estávamos, com 16 mil processos em cada gabinete, é um grande avanço. E também nossa tradição é um pouco outra. Temos peculiaridades como o país grande e uma Constituição detalhada, então nós não podemos fazer talvez o que fazem os americanos em relação à escolha dos processos. É uma outra concepção, aqui nós nem podemos desejar isso devido à complexidade das questões, o seu detalhamento, exige um maior envolvimento do Tribunal.

Mas veja, se conseguirmos equacionar esses temas e conseguirmos alguma celeridade no julgamento, que envolveria a reconcepção de gestão de processos, diminuição dos prazos de vistas e coisas do tipo, provavelmente nós vamos impactar essa massa de processos que se acumula ao longo do tempo. Quanto mais tempo de indecisão, mais se acumulam processos esperando uma definição do Tribunal Superior. Isso vale também para o STJ, o TST, então uma boa gestão dos processos pode também mudar essa nossa cultura demandista excessiva.



- O sr. mencionou o pedido de vistas. Muitos críticos do STF reclamam que o voto do relator dos processos deveria circular entre os ministros antes dos julgamentos para diminuir a freqüência do pedido de vistas. O que sr. pensa disso?

Isso depende da cultura do tribunal. Juízes já fazem isso em alguns outros tribunais. Mas no Supremo há uma resistência, alguns juízes não aceitam, então não deve ajudar. Mas conversas prévias, um juízo de como determinada questão deve ser enfrentada, pode ajudar no julgamento. Algumas Cortes fazem reuniões em conjunto, mas isso depende da aceitação. Isso não se faz por imposição.

- Relacionado a esse tema das discussões prévias, alguns juristas também criticam o Supremo por muitas vezes não tomar decisões em colegiado, mas individuais de cada ministro.

Alguns temas há sim discussões colegiadas. Claro que não para todos, em razão mesmo do acúmulo ainda da massa de processos.



- Outro tema polêmico no STF é o acesso dos advogados que defendem suas causas aos ministros. O sr. considera isso válido?

Eu acho isso uma falsa polêmica. Desde que me qualifiquei na área jurídica eu sempre percebi que o Supremo é um dos tribunais mais abertos. Quando a gente visita os Tribunais de Justiça dos estados é que vemos quanto os desembargadores são importantes e quanto os ministros são desimportantes. Não é? Isso é uma tradição antiga, eu era estudante em Brasília e se a gente pedisse para falar com um ministro, em geral a gente conseguia. Isso deve ser preservado. Agora, é claro que com o acúmulo de processos e obviamente com o acúmulo do pedido de audiências os ministros têm que organizar a sua agenda. Mas não vamos importar regras do exterior, receba a parte A, receba a parte B, isso nunca deu problema no Tribunal.



- O sr. votou pela anulação da aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010 por desrespeito ao artigo 16 da Constituição, que trata da anterioridade da lei eleitoral, isto é, uma lei eleitoral não pode ser feita para valer no mesmo ano. E sobre a lei como um todo, o sr. é contra ela?

Para mim a Lei da Ficha Limpa é uma boa metáfora. É positiva no sentido da necessidade de se fazer uma depuração do processo eleitoral, mas fico restrito a esse elogio porque ela tem muitos problemas. Por exemplo, apanhar fatos da vida passada para atribuir efeitos presente me parece algo preocupante. E não é preocupante a meu ver apenas pelo fato, por exemplo, pelo fato de se condenar a renúncia. Se o legislador recebe essa licença, amanhã ele vai poder apanhar fatos quaisquer da vida das pessoas para atribuir efeitos e torná-los inelegíveis.

Por exemplo, pode-se dizer que alguém que tenha batido numa mulher, claro que é errado a violência, mas fica impedido, inelegível. Que espancou uma criança, que atropelou alguém, que causa barulho e incomoda os vizinhos, que tenha uma atitude pouco civilizada em relação ao meio ambiente, sei lá, e aí a lei poderia ser endereçada para aspectos casuísticos. Com isso eu elimino tal adversário, tal outro, e assim por diante.

Veja, não é razoável, não faz parte do padrão civilizatório, em geral a lei vale para frente. Então a atual situação estimula essa imaginação casuística, arbritária mesmo. Não me parece razoável que seja assim.

A Lei tem também problemas quanto a questão do trânsito em julgado. Imagine que alguém fique impedido de se candidatar, porque a Lei está em vigor e a pessoa é condenada em duplo grau. E aí a pessoa é absolvida no último tribunal. Quem haverá de indenizá-la? Além disso, conferir a uma entidade de classe, a uma corporação, a possibilidade de excluir alguém por desvio ético. Seja lá a OAB, Conselho de Contabilidade, de Administração, seja lá o que for, e isto já valer como uma sentença, será que é razoável isso? Conhecendo, inclusive, as políticas internas dessas entidades. Em suma, então quando a gente olha a Lei no seu detalhe, ela se revela bastante preocupante. Se ela tivesse sido discutida, talvez por um período mais amplo, largo, talvez tivesse sido aperfeiçoada melhor.



- O atual presidente do STF, Cezar Peluso, já declarou que é a favor da redução das férias do Judiciário de 60 para 30 dias. Qual sua opinião?

Eu durante meu trabalho no CNJ também ganhei essa convicção. O que podemos fazer é discutir as peculiaridades que marcam a atividade do juiz, especialmente nos tribunais que fazem recesso interno, mas continuam trabalhando. No próprio STF, os gabinetes na sua maioria se organizam de modo a continuar trabalhando numa boa parte do período. As pessoas estão formalmente de férias, mas estão trabalhando. Temos essa necessidade de discutir essa temática.

Em alguns estados é evidente que esse modelo de férias de dois meses para o Judiciário e para o Ministério Público ocasiona problemas de falta de juízes e promotores. Hoje com o modelo atual, com 360 desembargadores em São Paulo, a cada mês temos 60 em férias.



- O sr. é a favor dos votos retoricamente trabalhados e demorados no Judiciário? No STF alguns ministros demoram mais de quatro horas em sua argumentação.

Também é um problema de cultura. Alguns votos necessariamente tem que ser longos, detalhados, porque não se está decidindo apenas um caso, mas uma dada temática geral. Mas talvez naqueles casos já de repetição nós pudéssemos ser breves.



- O plenário do STF irá julgar no dia 27 a questão sobre a posse de suplentes de deputados. Até agora, o Supremo já determinou liminarmente cinco posses de suplentes dos partidos, por conta do princípio da fidelidade partidária. Mas o ministro Ricardo Lewandowski decidiu de forma contrária em favor das coligações. Qual sua avaliação sobre essa questão?

Até aqui está em vigor a suplência pela coligação em casos de vacância de cargo e depois o mandato ao partido. Essa é uma discussão delicada. É fácil sustentar o mandato ao partido, mas a coligação é quem define a divisão de cadeiras. Isso precisa ser mais discutido. Há outro problema também, muitas vezes o partido não tem suplentes, só a coligação.



- Já foi divulgada a intenção do PT e de partidos da base aliada de limitar o poder da Justiça Eleitoral, com o argumento de que está havendo um excesso de intervencionismo. Na questão da posse dos suplentes, por exemplo, o presidente da Câmara, Marco Maia, vem dando posse aos suplentes da coligação, por entender que a vaga pertence à aliança dos partidos, causando polêmica entre os dois poderes. Pode estar havendo um excesso de intervencionismo mesmo?

Não gosto de decisões de eleição na Justiça, eleição se decide no voto. Não me parece razoável realmente esse intervencionismo, se houver exageros tem que haver mudanças. Agora, tem que ficar claro que as brigas políticas também estão levando a disputas jurídicas.




Estado de SP terá listas para contratar presos


O diretor do Departamento de Reintegração Social da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), Mauro Bittencourt, disse que em maio o governo do estado de São Paulo deve publicar uma lista com os editais de obras da Copa de 2014 em que serão obrigatórias a contratação de 5% de presos ou egressos.



Ele negou que o governo de São Paulo esteja parado nas ações de ressocialização de presos. “Quando o CNJ lançou o Começar de Novo, São Paulo resolveu montar um programa próprio, mais robusto, o Pró-Egresso”, conta.



Segundo ele, o Pró-Egresso não busca apenas a criação de vagas para presos ou egressos, mas também procura capacitá-los. Em atuação conjunta com as Secretarias do Emprego e de Gestão Pública, Mauro afirma que ano passado foram capacitados cinco mil presos e egressos e este ano a meta é de seis mil.



A resolução com a lista de obras em que será obrigatória a participação de presos ou egressos espera um aval do governador Geraldo Alckmin. Entrarão na lista obras para a Copa de 2014 ou que tenham dinheiro público. “Devido ao grande déficit de trabalhadores na construção civil, nossa expectativa é que grande parte dos presos e egressos trabalhe nelas. Nossa expectativa é empregar cerca de cinco mil egressos e presos do regime semiaberto em obras da Copa e, em geral, de todo o estado de São Paulo”, comenta Mauro.



Entre as obras da Copa que devem ter as ações de ressocialização ele cita a construção efetivamente do Itaquerão [estádio de abertura da Copa], caso ele realmente tenha dinheiro público, e obras de infraestrutura em geral.



A SAP informou que o Pró-Egresso já conseguiu empregar apenados com penas alternativas, egressos ou presos do semiaberto, mas que não divulga dados ou as empresas que contratam, a pedido das próprias.



A principal dificuldade apontada para a implementação do programa ainda é o preconceito.



No site do Emprega São Paulo (www.empregasaopaulo.sp.gov.br) os egressos podem se cadastrar para cursos de capacitação e busca de vagas de empregos. Os empresários interessados em participar do projeto também podem se cadastrar.

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