segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Papel do Itaramaty deve crescer

A presidente eleita Dilma Rousseff ainda não anunciou oficialmente o nome de quem irá ocupar o Ministério das Relações Exteriores, mas a expectativa tanto entre diplomatas quanto na equipe de transição é a de que o escolhido seja o embaixador Antonio Patriota, que é próximo ao chanceler Celso Amorim e ocupa a segunda posição do Itamaraty, a Secretaria Geral.


O governo Dilma deve marcar o fim da chamada diplomacia presidencial, que teve início com Fernando Henrique Cardoso e, nos oito anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, se fez ainda mais forte e presente. Lula usou seu todo seu carisma e sua história de vida para se colocar como um dos líderes dos países em desenvolvimento.

Para a cientista política, professora da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), Denilde Holzhacker, Dilma deve ter uma participação menor. “Ela tem um perfil diferente. Desse modo, o Itamaraty deve ter uma presença maior nas negociações internacionais”, explica.

Por outro lado, Denilde ressalta que o próximo governo sinaliza uma continuidade na política externa. O assessor internacional do governo Lula, Marco Aurélio Garcia, foi convidado a permanecer no cargo, o que indica que o PT continuará tendo influência na política externa do país.

Antonio Patriota também é defensor do fortalecimento da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e dos países do hemisfério sul, além de incentivar o chamado “soft power”, a construção de um poder de influência mundial com o uso de iniciativas de cooperações técnicas, propaganda positiva do país e agenda de atuação em temas sociais.



Críticas/A política externa no governo Lula recebeu críticas também sobre sua atuação e prioridades. A ainda pouca liderança na América do Sul, a intromissão na crise de Honduras, a relevância de uma candidatura no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), a entrada na polêmica tensão nuclear do distante Irã e a baixa prioridade para a agenda de acordos comerciais são as principais queixas.

O cientista político e economista Corival Alves do Carmo lembra que a principal ameaça ao aumento da influência brasileira na América do Sul já é a China. “A capacidade da China de gerar demanda por exportações é muito maior do que a do Brasil. Uma alternativa pode ser o pré-sal, isso se a exportação de petróleo realmente gerar recursos financeiros que permitam o país gastar mais com o exercício de liderança política regional”, comenta.

 
 
Ásia  e África são apostas para ‘booms’
O mundo tem duas regiões que são consideradas estratégicas para o crescimento da economia nos próximos 30 anos: a África e o Sudeste Asiático (veja abaixo).


No continente africano, o governo brasileiro tem suas maiores apostas para o futuro, usando cooperação técnica internacional – o que o Itamaraty chama de espírito Sul-Sul, ou seja, incentivar o desenvolvimento e comércio do hemisfério sul. Segundo a ABC (Agência Brasileira de Cooperação), o Brasil tem hoje 34 acordos em vigência ou negociação na África para cooperações econômica, científica e técnica.

O doutor em relações internacionais e mestre em história social pela USP e professor do Centro Universitário Belas Artes e da ESPM, Sidney Ferreira Leite, afirma que a África tem um ambiente atual de cooperação inter-regional e intergovernamental mais propício para o desenvolvimento. “O pensamento dos governos africanos neste século mudou para assumir seus próprios problemas e o paradigma é de que, sem segurança, não há desenvolvimento”, disse.

Mas a crítica que especialistas fazem é que a ABC ainda não tem um papel de gerenciamento, de metodologia de impacto sobre os projetos brasileiros no exterior, ou seja, o próximo governo necessita estruturar uma política de doações internacionais – até para competir melhor com grandes doadores, como a China. “É urgente que participemos mais ativamente desse novo momento do continente africano. O governo Lula promoveu alguns avanços, todavia é necessário fazer muito mais”, diz Sidney.



Asean /Indonésia, Filipinas, Malásia, Singapura, Tailândia e Vietnã, as seis principais economias da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático), crescerão em média 7,3% neste ano e ao ritmo de 6% entre 2011 e 2015, segundo a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Fora a China, é a maior média de crescimento prevista por regiões.

O especialista em marketing e projetos de gestão internacional, professor da ESPM e estudioso da Ásia, Marcelo Zorovich, analisa que esses países são beneficiados por uma série de fatores: mão de obra barata (na comparação com mercados mais desenvolvidos), plataforma de exportação para muitas empresas e setores, e proximidade com China, Índia, Japão e Coreia do Sul. “Ainda se fala pouco dessa região na mídia, mas, hoje, todas as grandes empresas do mundo estão abrindo postos na Asean. Ela tem um ambiente propício para fazer negócios e as leis são rígidas para violência e tráfico de drogas”, comenta.

Em 2007, a Asean já foi o sexto mercado para as exportações brasileiras. O Itamaraty tem fomentado missões comerciais para a região de forma a estreitar o relacionamento com estes países e expandir as possibilidades comerciais, mas há críticas de que esse processo precisa ser aprofundado.




Oportunidades e Riscos
Apostas e prioridades do Brasil nos próximos anos no mundo


América do Sul
O próximo governo brasileiro sinaliza continuar apostando na integração política através da Unasul, que ainda não emplacou e com a morte de Néstor Kirchner está sem presidente.
A união aduaneira do Mercosul ainda discute o fim da tributação entre os países. Também vive o dilema da entrada ou não da Venezuela no bloco.
O Brasil não tem déficit comercial com seus vizinhos da América do Sul. Para especialistas, o que poderia ser bom na verdade deixa a liderança do Brasil em risco na região. A China já é a principal ameaça, com grandes fluxos de comércio nos países e grandes investimentos, principalmente no Peru.
Brasil tenta também terminar sua ligação bioceânica para chegar no Oceano Pacífico, mas falta dinheiro internacional para terminar obras em estradas na Bolívia e linhas ferroviárias no Brasil e Peru.


Sudeste asiático
Juntos, a Tailândia, Filipinas, Malásia, Singapura, Indonésia, Brunei, Vietnã, Mianmar, Laos e Camboja tem uma população de mais de  600 milhões de habitantes. É o bloco de países com a maior média de crescimento no mundo.
Vive de sua plataforma de exportação de serviços e tecnologia, além de ter exploração de petróleo e agricultura. É uma região estratégica no mundo que países como a China, Índia e EUA estão buscando fazer tratados de livre comércio ou aumentar seus laços.


Ásia
O maior continente da Terra, com mais de 4 bilhões de pessoas, deve ser o grande protagonista do século 21. A China é o destaque, com alto crescimento econômico, caminha para se tornar em dez anos ou menos a primeira economia do mundo. Hoje tem US$ 5 trilhões contra US$ 14 trilhões dos EUA. O Brasil tem "apenas" US$ 1,6 trilhão.
Na guerra cambial entre os países a China também é a protagonista. Quase todos os países pressionam os chineses pelo fim da política de desvalorização excessiva do yuan, que vale US$ 0,15, mas não há sinal que isso aconteça rápido.
A Índia, parceira do Brasil em alguns acordos comerciais, também é rival dos brasileiros na disputa de um assento no Conselho de Segurança da ONU e já discordou do Brasil na OMC. China e Índia, que dependem de energia importada, disputam os mesmos fornecedores no mercado internacional, dois gigantes para o Brasil enfrentar ou ser um grande fornecedor.
O Japão ainda é uma potência econômica mundial, mas vive uma estagnação que parece não ter prazo para terminar. A Coreia do Sul está em amplo crescimento, mas vive a tensão de um conflito próximo com a Coreia do Norte. A Rússia ainda tem sérios problemas econômicos e conflitos internos para resolver, mas sempre vai ser uma superpotência militar e tem uma imensa produção de petróleo e gás.
Na Ásia também estão o Afeganistão e o Paquistão, para muitos especialistas de relações internacionais verdadeiras bombas relógio. Redes terroristas atuam nesses países ainda com força e podem causar crises no mundo todo, como aconteceu no 11 de setembro.


Oriente Médio
Em princípio, seria uma região de pouco interesse para o Brasil, mas o governo Lula inseriu a região em suas prioridades. Na estratégia de tentar ser líder mundial, a diplomacia brasileira se aproximou do ditador iraniano Mahmoud Ahmadinejad, junto com a Turquia. Para muitos foi um erro, já que o regime de Teerã não respeita direitos humanos e vive uma tensão nuclear, mas o governo brasileiro defendeu sua iniciativa como uma tentativa de mediação para a chegada de acordos. Só o tempo vai dizer se a aposta foi boa ou se o Irã vai mesmo fazer um programa nuclear com fins militares. Também existe a expectativa de como Dilma Rousseff vai tratar o Irã, que ainda apedreja mulheres.
No conflito Israel-Palestina o Brasil também ofereceu uma mediação, ainda sem resultados. Israel tem um grande acordo de comércio com o Mercosul e no caso da Palestina essa região tem grande simpatia com o Brasil por causa de sua comunidade árabe. Esse caso envolve discussão de fronteiras e a criação ou não do estado palestino, então dificilmente o Brasil terá um papel de destaque nos acordos. A atuação no Oriente Médio é vista mais como para marcar presença de liderança e colher frutos comerciais da aproximação com a região.
O Brasil reconhece a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) desde 1975 e nesta semana reconheceu a existência do estado Palestino, com as fronteiras de 4 de junho de 1967, anteriores à Guerra dos Seis Dias entre árabes e israelenses.



Europa
Vive ainda o fantasma da crise financeira e o desemprego, mas 30% do PIB do mundo está no continente e a Alemanha ainda é a quarta economia do mundo com US$ 3,3 trilhões. O Brasil depende muito da União Europeia para conseguir reformas na ONU. O G-20, ou Grupo dos 20, grupo de países emergentes, também precisa entrar em acordo com a União Europeia em muitos tratados comerciais e de agricultura.


África
Tem sérios problemas sociais e o flagelo da aids, mas já deixou de ser o "continente esquecido". A chamada África Austral, parte sul da África, banhada pelo Oceano Índico na sua costa oriental e pelo Atlântico na costa ocidental, é o destaque. Países como Angola, Moçambique e África do Sul já tem um desenvolvimento promissor.
O continente africano tem uma mão de obra gigante, com mais de um bilhão de pessoas, é visto como futuro mercado para todo o mundo e tem vastas reservas de minérios. Empresas brasileiras como a Vale e o Bradesco de olho nisso já tem atuação na África. O governo brasileiro também tem diversas cooperações técnicas com países africanos.
Mas, como sempre, a maior ameaça de influência na África é a China, que já investe bilhões de dólares nos países em obras principalmente de infraestrutura.


EUA
Ainda é a superpotência do mundo em segurança (armas, tecnologia, participação em conflitos), economia (US$ 14 trilhões de PIB) e assuntos transnacionais (meio ambiente, direitos humanos), mas os EUA convivem com problemas que podem deixar um vácuo de poder para nações como a China, Índia, Rússia, Coreia do Sul, Alemanha e até o Brasil.
A crise ainda está nos EUA com o emprego e o consumo resistindo a voltar com força. Para tentar sair da crise os EUA seguem desvalorizando o dólar. Isso é feito com pacotes para estimular a economia local, com a emissão de mais dinheiro para estimular o crédito. Porém, com mais dólar na praça seu valor cai no mundo e as exportações do resto dos países são prejudicadas.
Internamente nos EUA essas medidas de estímulo ainda não vêm motivando o consumo maior e o pior: a China por ter uma moeda superdesvalorizada artificialmente, exporta como nunca para os EUA e atrapalha sua indústria nacional. Os norte americanos reclamam da China, mas ela já é a maior possuídora de títulos da dívida dos EUA e por isso tem espaço para continuar sua política cambial.
Qualquer guerra ou ameaça terrorista no mundo os EUA também vão se envolver ou já se envolvem, então suas decisões serão sempre importantes para os rumos geopolíticos do mundo. Fora isso, em decisões importantes na ONU e na OMC o Brasil vai precisar pelo menos da simpatia dos EUA para ter êxitos.


Fontes: Especialistas entrevistados e ONU

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